“Eu conservo a MISSA TRADICIONAL, aquela que foi codificada, não fabricada, por São Pio V no século XVI, conforme um costume multissecular. Eu recuso, portanto, o ORDO MISSAE de Paulo VI”. - Pe. R.-TH. Calmel, O.P.
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sábado, 17 de fevereiro de 2024

O vazio existencial, o que é?

 "E isso porque, a eternidade, assim como não pode ser dada pelo homem ou pelos demônios, mas por Deus, não pode ser tirada de nós por eles. A eternidade é garantida por Deus e indelevelmente inscrita nas almas, por mais ocupadas, distraídas ou divertidas, para o bem ou para o mal, elas possuam essa dimensão."

Autor: Dardo Juan Calderón
Tradução: Blog A Catedral Submersa

Que grande surpresa será a ressurreição!

A chamada Psicologia Analítica definiu a neurose que permeou o século XX como "um sofrimento de uma alma que não encontrou o seu sentido." (Jung). Essa "falta de sentido" implica mais do que falta de propósito, falta de sentido. Para onde estou indo? Qual é o meu propósito? São perguntas cuja resposta pode ser assumida numa cultura ou numa religião mais ou menos latente nas profundezas da existência, podendo até ser adiada sem grande sofrimento até à beira da morte, mas a pergunta que atormenta hoje é a de que valor tenho dentro do todo que se desenvolve à minha volta?

Há uma necessidade urgente de uma resposta numa mentalidade narcísica e individualista que olhe para o mundo com a sensação de que ele está marchando sem dar a mínima para a minha existência anódina; uma existência que habita, abandonada e ferida, à margem da história. Todos querem ser alguém e fazer algo que deixe uma marca de sua passagem pelo mundo, ser lembrado, ou então sente uma enorme frustração, do nada feito. O homem de hoje está dividido entre seu amor-próprio e o seu ódio a si mesmo. O amor-próprio que o psicologismo inocula com a pressão forçada tem como inimigo o fracasso, único resultado mais ou menos garantido na vida e que é muito mais persistente e certo do que o otimismo dos cursos de autoajuda. " Odiar-se é mais fácil do que se pensa. A graça consiste no esquecer-se. ", disse Bernanos.

Não se trata de falta de propósito ou de direção, mas de projetar o sujeito no todo social. Quanto eu valho? E, mais ainda, é sobre a incapacidade de encontrar e "sentir" essa tendência, esse chamado a uma missão, a uma empresa, a um objetivo, dentro do qual se estabelecer e ganhar valor aos meus olhos e aos dos outros. Deixar de ser uma daquelas "Partículas Elementares" de que falava Houellebecq, inundadas numa agitação de atração e repulsão, de individuação e absorção; pois, enfim, nossa condição carnal pode supor que temos um destino sobrenatural e engavetar o assunto, mas a psique também exige de nós um destino terreno significativo. Não apenas fazer parte de um caldo biológico, mas ser parte indispensável, aqui, de uma ordem de coisas. Falando em cristão, não basta saber que um Reino nos espera além da morte, precisamos fazer parte desse Reino nesta vida, desempenhar um papel nela.

Essa sensação de não ser ninguém e ver que, por mais que eu tente, eu não consigo, produz a "apatia" que vemos hoje de forma impressionante nas gerações juvenis (e não tão jovens). Ontem os jovens acreditavam que alcançar a "liberdade" seria suficiente; mas ele já está se conscientizando de que o jogo da liberdade é um pequeno movimento atômico em um tecido que produz e descarta, que alimenta e escrutina, sem conseguir sair daquele destino fixo. Como mariposas ao redor da luz de uma vela.

O consolo é, então, a alegria do momento e a evasão da realidade (o fenômeno do mundo virtual, aquele enorme embuste que faz você acreditar que está fugindo de uma realidade ruim na fantasia, e acaba entrando da maneira mais estúpida comprando uma excursão turística, o metaverso). A chamada "falta de compromisso" não é mais uma salvaguarda de uma liberdade que a geração anterior que floresceu na lingerie manteve como ilusão, pois sabe-se hoje que essa liberdade nada mais é do que a curta margem de manobra deixada por uma vida que obedece a uma mecânica economicista, cujos elementos celulares borbulham com certa chance previsível em um espaço infinitesimal, dentro de um conjunto enorme, uniforme e condicionante. O compromisso não é evitado porque é oneroso em termos de liberdade, mas porque é utópico. O que pode ser o comprometimento de duas partículas vibrando em círculos diferentes com um único ponto de tangência? Razão que mede a temperatura produzida pelo atrito.

Muitos especialistas têm chamado essa "patologia" de "vazio existencial", tornando esse vazio a grande doença psíquica do século 21. Uma dor que entorpece, devido à falta de "instalação significativa" na vida. E não é que a proposta seja produto de seres simplesmente insignificantes, como a maioria de nós tende a ser, porque até o orgulhoso Miguel de Unamuno y Jugo (para dar um exemplo), se desesperou em algum momento de encontrar "o sentido da vida". Pelo contrário, o problema está em acreditar que se trata da "instalação correta no sistema do mundo" (o famoso "algo deve ser feito!"), quando o segredo é desinstalar-se, porque o mundo e a história, por si só, para desgosto do gênio alemão, não têm significado próprio.

Mundo e história são sistemas que engolem os Napoleões, os Einsteins e os Wagners. Mais cedo ou mais tarde, todo grande personagem morre em Santa Helena (ilha n.d.t.) olhando atônito para a história que o deixa. Sem falar em uma biografia pobre como a sua, a de um habitante medíocre desse mundo que, ao rever sua própria história, não consegue explicar aproximadamente quem é, ou mesmo definir a frustração do que propôs, proposta que provavelmente nunca ousou conceber. Toda biografia é anedótica, fragmentária, deslocada, como um quebra-cabeça cujas peças se encaixam de qualquer forma e dão imagens bobas.

Dissemos antes, que isso era chamado de "nova desesperança". E é novo na medida em que não se trata de "não esperar nada", mas de não saber esperar. Que não sabemos viver a espera. Não se trata de esperar ou não algo além do tempo, mas de como devemos viver o tempo enquanto esperamos. Como devem ser preenchidas as horas da existência terrena? Este é, por definição, o "vazio existencial". Se pensarmos que o problema é a perda da projeção finalística, a cura para o problema parece consistir em devolvê-la a uma projeção, se não transcendente, pelo menos altruísta. Mas não é Deus que morreu, que é o fim de tudo, mas o cristianismo, que é a ordem social que nos deu um significado individual dentro do todo. O problema todo é que não vivemos mais em sociedade, mas em uma dissociação, e nosso lugar no mundo não nos é dado pela ordem familiar, social ou política. A localização depende de um ato original, possivelmente violento e egoísta para nos colocar no caos. Deserdados, que, longe de continuarem o lugar e o conhecimento dos pais, saem à descoberta e impõem novas regras que lhes permitam subir na cadeia alimentar. Ai dos bons!

A experiência nos diz que, mesmo que acreditemos em um destino sobrenatural, a dor do vazio existencial é experimentada em muitos crentes. Vamos olhar muito de perto ao nosso redor. Por outro lado, esse vazio, como sofrimento, não está presente em muitos agnósticos que têm sorte, em sua arrogância, de que sua pressa agitada, assoberbada, adie até os últimos suspiros de oxigênio a experiência de ser engolido pela história.

Ousamos afirmar que a busca artificial de uma ideia de transcendência não é a solução, em parte por causa dessa experiência que mencionamos acima, que mesmo os crentes sofrem de vazio, e fundamentalmente porque essa ideia de transcendência não se perdeu. Ele ainda está conosco. Como aqui tentamos compreender a doença para desvendar seu processo, vale a pena nos perguntarmos se é tão verdade que o homem perdeu o senso de transcendência, pois se a tivesse perdido não haveria vazio existencial, a exigência do vital seria quase animal. Um cavalo não sente nada disso. Esta é uma questão espinhosa, uma vez que o sentido da transcendência está tão incorporado na natureza que é quase impossível conceber o seu desaparecimento total sem que o homem se desfaça num nada sem forma. "O ateísmo difícil", escreveu Gilson. O "vazio existencial" não só convive com a ideia de transcendência, mas é um de seus efeitos, e mesmo por isso sua dor tende a se tornar mais aguda.

E isso porque, a eternidade, assim como não pode ser dada pelo homem ou pelos demônios, mas por Deus, não pode ser tirada de nós por eles. A eternidade é garantida por Deus e indelevelmente inscrita nas almas, por mais ocupadas, distraídas ou divertidas, para o bem ou para o mal, elas possuam essa dimensão. Os piores demônios são impotentes contra o peso que essa certeza oculta e adiada coloca sobre as existências. Os domínios do demônio estão no tempo.

Os demônios podem tomar conta do tempo do homem, e essa é a chave de tudo; ninguém pode roubar-nos a eternidade, a nossa salvação ou a nossa condenação. Mas o nosso tempo foi roubado. A solução para o problema não é o restabelecimento de uma ideia de transcendência, é a recuperação do tempo que nos foi roubado e falsificado. Não é a esperança que foi apagada do homem, mas o trabalho da espera. Mil utopias e mil outras distopias são propostas ao homem para preencher esse vazio, mas o homem é totalmente incapaz de estabelecer nortes transcendentes que deem sentido às suas existências, os fins são assuntos sérios demais para o homem, ou vêm na religião e são estabelecidos por Deus ou são fraudes humanas, artifícios para evitar a loucura e a total inação, para nos escravizar em empreendimentos falsos. O apego à carne e o fracasso que essa mesma carne evidência mais cedo ou mais tarde, com amarga surpresa, desqualificam a imaginação puramente humana de se manter por tanto tempo tão alto, e logo, diante do fracasso, promovem a moagem ou o ódio. Sua dimensão é lama. Ao imaginar um céu, os homens não podem sair do céu libidinoso muçulmano que consiste em ser devolvidos à carnalidade grosseira.

No entanto, um elemento estranho persiste e pica o homem, uma fome de transcendência do humano e do terreno o desqualifica para uma vida satisfeita, mesmo na glória da fama, na maior abundância de luxo, na satisfação do prazer erótico e até mesmo na saciedade do ódio homicida. Um elemento estranho que a psicologia determinará como patológico, como uma doença de instalação inadequada no "mundo real", que tentará resolver com um pouco de terapia.

O céu só pode ser imaginado por um Deus, e quando essa ideia que nos ultrapassa se instala no homem e pensa nele como bem entender, cria um monstro assassino ou o joga na incompreensão do tempo, produzindo a dor do tempo, a sensação de vazio, a fome de eternidade. O tempo torna-se um lugar infame para fugir e onde habita um vazio incomensurável. O vazio existencial não é uma doença, é uma prova irrefutável de que existe um céu, e que ele não é nosso. O problema não é que há pessoas que sofrem com o vazio, mas que há pessoas que não o experimentam e estão tão confortáveis, instaladas nestes maus momentos. O sofrimento não é patológico. Se você vê em seus filhos alguma dessa dor, desse vazio existencial, significa que eles ainda têm salvação.

Sei que me dirão que o homem deve passar suas horas e procurar nelas seu trabalho. O fracasso das tentativas na história de determinar como preencher a ação no tempo, uma vez que parece ter perdido nosso caminho, causou essa catástrofe espiritual e é necessário ensaiar vários objetivos ou propósitos para nossa existência; mais ou menos altruísta, individualista ou coletivista, cínico ou cético, economicista ou espiritualista. Qualquer um que possa dar um pacote de comportamentos a seguir, um ethos que nos permita estabelecer com um certo sentido de utilidade no mundo. E depois disso, os projetos mais malucos são comprados.

Mas nenhum deles conseguiu acertar precisamente e a sensação de que o tempo só pode ser usado para gratificação instantânea já se impõe, rejeitando qualquer comportamento que direcione um projeto. É o resultado óbvio e final de uma aventura que levou o homem a fartar-se de si mesmo, de todas as propostas e de todos os empreendimentos, inaugurando uma era de pós-humanismo que nada mais é do que a total desilusão do humano. A escolha de um mal menor é o sintoma desse cansaço

Entre os católicos sabemos que o abandono de toda ideia de Deus é mais uma "pose" do que um "dado". Uma pose instalada e exigida pelas elites intelectuais, agnósticos e crentes em que se impôs a ideia de que as ciências e as artes devem ser cultivadas de costas voltadas para o mistério. Quebrar essa regra deixa a pessoa fora da "normalidade" social, uma normalidade imposta com uma violência moral e material sem precedentes. Uma pose um pouco mais espontaneamente encarnada nos ambientes da boa sorte econômica, onde constitui uma espécie de esquecimento ou "distração" do numinoso para o melhor gozo do terreno, mesmo conhecendo-o momentâneo, sustentado com tensão contida e na contramão da alma, possibilitada enquanto a dor, meticulosamente evitada, não chega a despertá-los com a má notícia de que você está morrendo.

Certamente, a presença de Deus continua sendo em grande parte uma enorme realidade no mundo, o povo pobre absorvido por uma agitação absurda, obcecado pela obrigação de buscar uma produção que, no entanto, sempre dá prejuízos!! Eles ficam olhando para o céu de vez em quando. E pior ainda, diante do farfalhar daquelas almas acorrentadas a uma desculpa artificial para permanecerem superficiais, a busca incorruptível pelo eterno acaba encontrando uma sinistra "presença transcendente" que está sempre pronta a "ajudá-las" e que explica a perversão dos comportamentos sociais. Os demônios se tornam visíveis e cotidianos.

A proposição de novos objetivos vitais ou existenciais para libertar o homem do vazio que consideram uma doença (e não um bom sintoma de falta como a fome por falta de alimentos) majoritariamente humanista e até perversa, não só marca um caminho de fracasso como parte de uma ideia maliciosa ou errônea.

É travesso quando é colocado para impedir a refutação do transcendente que procura emergir no homem sempre e em toda parte, com uma força que é a própria vida, com uma fome espiritual que grita por dentro, com a evidência de um vazio doloroso que a consome. Sufocando uma tendência para o sobrenatural alcançada com um enorme esforço político, policial e publicitário; sustentado com gastos enormes, com punho de ferro, com um punho violento que cava dedos e unhas em corações desde a infância para evitar o inevitável, que é a dor de não estar no céu. Um esforço titânico para nos fazer fingir não ser eternos, baseado no desprezo e no escárnio que vomitam com onerosidade dos moinhos publicitários, ou às vezes, mais economicamente, simplesmente pela brutal penalização do espírito nos terríveis formigueiros do Oriente. Tudo isso, numa espécie de disparate que não explica completamente a utilidade ou o benefício de tal amputação do religioso, nos deixa diante da evidência de uma vontade maligna que impera sobre quem governa, que antes só era apreendida pelos requintados poetas malditos, mas que hoje se tornou palpável e facilmente perceptível até mesmo para os espíritos mais grosseiros que a celebram – como mostrou Dante – "E ele trompa fazia do traseiro".

Errôneo na medida em que os fracos supõem que o que o bigodudo (Nietzsche, n.d.t.) disse está gravado: "Deus está morto" (mas ele está bem de saúde) e não se atrevem a parecer loucos falando de fantasmas diante da "normalidade" que o mundo impõe, a normalidade de uma conspiração contra milhares de covardes corretos.

Se toda ideia de transcendência pudesse ser apagada do homem, não haveria necessidade de tanta pressão, que foi aplicada e mantida, que se intensifica em todas as áreas da cultura. Enorme mobilização de meios para manter esse falso estado de "opinião pública"; tanto músculo para manter a tampa de uma panela fechada que fervem sangue e lágrimas.

A eternidade não nos foi tirada, o tempo que ocupamos nos foi tirado, que não é mais para salvação e amor, mas para um trabalho que odiamos e só dá dinheiro, ou para uma diversão que é vingança sensual por aquela bebida ruim. Esses tempos foram impostos com artifícios violentos e onerosos para desalojar dele, não a ideia do transcendente (que é impossível e continua sendo uma inquietação incômoda), mas o "lidar" diário com o transcendente que preenche o bom tempo (poderíamos chamá-lo de litúrgico?). Adiá-la, escondê-la numa gaveta e viver longas horas fugindo do vazio existencial que dolorosamente revela, como sintoma necessário, a ausência de Deus em nossa vida terrena.

Voltando a Unamuno, agora em seu Nicodemo, El Fariseo (Ediciones Encuentro Sa; 1ª edição, 2007, n.d.t.), há demônios e demoníacos que nos submetem com violência artificial às tarefas sem importância ou sem interesse e passatempos que terminam em finais amargos. Mas a atitude de homens bons e prudentes, funcionários como Nicodemos ou empresários como José de Arimatéia, é uma traição maior que, fugindo do apelido de "anormalidade" e do medo de ser doente mental, propondo-se a ocupar um lugar útil em uma sociedade amputada dos religiosos, mesmo com aparente piedade e real esforço econômico, corre às pressas e de boas maneiras enterrar Cristo numa caverna para voltar, agora mais calmo, aos seus próprios assuntos.

Que grande surpresa será a ressurreição!

Dardo Juan Calderón